Cabeçalho

Lendas do Rock: The Beatles - Parte II




O ano de 1966 é visto como a data em que a banda determinou o que seria até seu final, em 1970. Nessa época, o mundo já não era mais o mesmo e o grande responsável por essa mudança foram os Beatles. Entre os acontecimentos mais destacados, estão a recepção dos anglicanos frente ao Papa em Roma, a liderança de Martin Luther King na marcha pelos direitos civis nos Estados Unidos, e o bombardeio da Força Aérea Americana em Hanói, capital do Vietnam do Norte. Pelo outro lado do planeta, a ciência se desenvolvia na chegada da espaçonave soviética a Vênus (primeira nave terrestre a pousar noutro planeta) e, na China, a proclamação da "Revolução Cultural", que promoveu expurgos e perseguiu intelectuais. Há quarenta anos, essa agitação pelo mundo não se apresentou de forma menor nos quatro membros dos Beatles: Lennon, McCartney, Harrison e Starr.

Férias, casamento e prêmios: Nos três primeiros meses de 1966 a banda tirou férias, após desistirem da ideia de lançar um novo filme em cima de A Talent For Loving, cujo roteiro seria de Richard Condon. Nesses meses, tiveram encontros em festas com os músicos Mick Jagger e Brian Jones dos Rolling Stones, e compareceram na estreia do filme Alfie, cuja estrela era Jane Asher, namorada, na época, de Paul. John e Ringo não compareceram ao casamento de George em 21 de janeiro porque viajavam para fins de semana no Caribe e na Suíça; George e a modelo Patricia Anne Boyd embarcaram para uma lua de mel em Barbados, nas Bahamas. Enquanto isso, os Beatles obtiveram naquele ano dez indicações ao Grammy e, embora existissem restrições do regime político na Polônia, as canções da banda começavam a ingressar intensamente nas rádios daquele país.

A "capa do açougue" e sua substituta.
Entrevista com Cleave, e a "Capa do Açougue": Em março, os Beatles foram convidados a uma entrevista com a jornalista Maureen Cleave, do jornal britânico "London Evening Standart". Nesta entrevista, John declarou com tom crítico a seguinte frase: "O cristianismo vai acabar. Vai se dissipar e depois sucumbir. Nem preciso discutir isso. Estou certo, e o tempo vai provar. Atualmente somos mais populares que Jesus Cristo". A declaração não causou nenhuma polêmica na Inglaterra. Depois, a banda posou para uma sessão com o fotógrafo Bob Whitaker, que produziu fotos com matizes surrealistas. Uma dessas fotografias foi utilizada na capa do próximo álbum Yesterday and Today, que ficou cinco semanas em primeiro lugar vendendo um milhão e meio de discos e só editado nos EUA, onde o quarteto está vestido com jalecos brancos e segura bonecas despedaçadas junto a pedaços de carne. O disco, referido frequentemente como "a capa do açougue" gerou polêmica nos Estados Unidos: algumas pessoas atribuíram à foto uma mensagem cifrada ou algo contra a Guerra do Vietnam, outros acharam que era uma crítica ao desmembramento dos álbuns originais dos Beatles na América. A Capitol recolheu os discos e substituiu as 750 mil capas prensadas.

Após estes problemas com a "capa do açougue", o grupo iniciu sua turnê mundial de 1966 por cinco países, entre eles Alemanha, Japão, Filipinas, Estados Unidos e Canadá.

Humilhação nas Filipinas e prêmios na Inglaterra: Embora as Filipinas estivessem sob a ditadura de Ferdinando Marcos, na capital Manilha os Beatles foram recepcionados por cinquenta mil fãs que se aglomeraram no aeroporto. A polícia filipina os separaram de Epstein e apreendeu sua bagagem, que continha maconha: isto provocou problemas com as autoridades locais. Epstein obteve controle e, no dia seguinte, deram dois concertos no estádio superlotado Rizal Memorial Football Stadium. Após as apresentações, a primeira-dama Imelda Marcos organizou uma recepção no palácio presidencial para trezentos filhos de oficiais da alta patente do exército daquele país e gostaria de apresentá-los ao grupo. O não comparecimento à recepção promoveu consequências inesquecíveis. No dia seguinte, jornais filipinos traziam manchetes com expressões do tipo "Imelda plantada" (The Manila Times), destacando que os Beatles haviam esnobado a primeira-dama. Por causa desses acontecimentos, Epstein tentou esclarecer o mal-entendido numa coletiva, mas a transmissão sofreu interrupções técnicas. Starr lembraria anos mais tarde que o tratamento dos empregados no hotel tornaram-se mais frios depois do ocorrido e que havia ameaças de bombardeios onde os Beatles estavam hospedados. O grupo foi abordado pelo responsável do Escritório de Rendas Internas que disse que os Beatles não deixariam o país até pagarem os impostos que não haviam dado desde a chegada; Epstein pagou dezoito mil dólares. Os quatro membros fizeram a pé a caminhada até o avião e aproximadamente trezentos pessoas aguardavam a banda no aeroporto; na despedida, foram cuspidos, empurrados e agredidos; a renda que conseguiram nos dois concertos foi confiscada; após quarenta minutos de confusão, decolaram.

De volta à Inglaterra, eufórica pela conquista da Copa do Mundo de Futebol de 1966, o grupo presenciou boas notícias, como os três troféus Ivor Novello – premiação máxima da música inglesa – que receberam por "We Can Work It Out" e "Help!" como primeiro e segundo compacto mais vendido na Inglaterra em 1965, e por "Yesterday" como a canção mais executada do ano. Artistas como Connie Francis, Johnny Mathis, Bob Goldsboro, Cliff Richard, David McCallum, as duplas Jan and Dean e Peter and Gordon interpretavam diversas canções da dupla Lennon/McCartney. Contudo, as notícias da América eram preocupantes.

Presley, Dylan e o "Somos mais populares que Jesus Cristo": A revista DateBook divulgava a entrevista que Lennon concedeu a Cleave destacando a frase "Somos mais populares que Jesus". Fundamentalistas cristãos se indignaram com a frase de Lennon e protestaram. Uma rádio em Birmingham, Alabama, organizou um boicote a execução das canções dos Beatles, e um ato onde os discos da banda foram queimados publicamente em uma fogueira. Rapidamente diversas estações de rádio americanas recusavam-se a tocar canções dos Beatles em suas programações e, na África do Sul, houve o banimento de canções do grupo em suas estaçõs de rádio por cinco anos. Houve inclusive a manifestação do Papa Paulo VI e do governo fascista de Francisco Franco, da Espanha, que criticaram a postura de Lennon. John depois pediu desculpas publicamente pela afirmação e foi perdoado pelo papa Bento XVI em 2008.

Elvis Presley desaprovou o ativismo antiguerra e a legalização das drogas que os Beatles vinham afirmando e mais tarde pediu ao então presidente Richard Nixon que ele proibisse a entrada dos quatro membros nos Estados Unidos. Peter Guralnick escreve que "Os Beatles, segundo Elvis, […] eram antiamericanos. Eles vinham para os EUA, faziam fortuna, e voltavam para a Inglaterra. E diziam coisas antiamericanas quando se encontravam por lá." Guralnick adiciona: "Elvis acreditava que os Beatles lançaram bases para muitos dos problemas que estávamos tendo com os jovens e suas aparências imundas, bases essas encontradas na música sugestiva deles que ao mesmo tempo divertia o país durante o início dos anos 1960 e meados." Apesar das observações de Presley, em geral os Beatles o admiravam; Lennon, por exemplo, tinha sentimentos positivos para com ele: "Antes de Elvis, nada existia." Em contraste, o renomado cantor folk Bob Dylan reconhecia a contribuição dos Beatles, e afirmou: "A América deve construir estátuas dos Beatles. Eles ajudaram a trazer de volta o orgulho do país."

Mais maduros, musical e pessoalmente, os Beatles dedicaram-se na gravação do Revolver, em que, em cada gravador – num total cinco equipamentos pesados que haviam sido levados ao estúdio 3 da Abbey Road Studios – um técnico operava e o outro segurava com um lápis a extremidade de laço feito pelas pontas das fitas emendadas; o resultado foi uma mistura de rock psicodélico, balada, R&B, soul e world music. Os Beatles haviam realizado seu último concerto no Monster Park, São Francisco, em 29 de agosto de 1966. Este foi o último concerto da banda onde o público pagava ingresso. Sua última apresentação foi nos telhados da Apple, onde o público não pagou nada; leia sobre na próxima sub-seção. A partir de então, a banda concentrou-se apenas em gravações. Foram os momentos mais criativos do grupo. Menos de sete meses após o Revolver, os Beatles voltaram ao Abbey Road em 24 de novembro para começar a produzir seu oitavo e mais aclamado álbum, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, que os ocupou durante 129 sessões e foi lançado em 1 de junho de 1967. O álbum os popularizou ainda mais.

Outro feito que popularizou o grupo – que caminhava rumo ao seu final – surgiu em um segmento no programa Our World, o primeiro programa do mundo ao vivo a transmitir, via satélite, imagens para o mundo inteiro. Os Beatles foram transmitidos diretamente do Abbey Road Studios e a nova canção, "All You Need Is Love", escrita por Lennon, foi gravada ao vivo durante a apresentação, embora eles tivessem preparado antecipadamente – num período de cinco dias – as gravações e a mixagem antes da transmissão. A canção trazia uma mensagem de paz nos tempos da Guerra do Vietnã. Os Beatles convidaram vários amigos para participarem do evento, cantando o coro da canção – Mick Jagger, Eric Clapton, Marianne Faithfull, Keith Moon e Graham Nash. O programa foi visto por cerca de 350 milhões de pessoas em 26 países.

Em Novembro e Dezembro de 1966, e até janeiro de 1967, os Beatles gravaram dois compactos durante as sessões do Sgt. Pepper: "Strawberry Fields Forever" e "Penny Lane", mas elas acabaram não entrando no álbum. A "Strawberry…", escrita por Lennon, – embora creditada à Lennon/McCartney – diz respeito a um orfanato patrocinado pelo Exército de Salvação Inglês, chamado "Strawberry Field Children's home", que se localizava perto da casa de John em Woolton, Liverpool, número 25 da Avenida Beaconsfield, e onde ele pulava o muro e brincava durante a infância no espaço arborizado, com os amigos Pete Shotton, Nigel Whalley, e Ivan Vaughan. Ele começou a escrevê-la em finais de 1966, em Almeria, Espanha, durante as filmagens de How I Won the War, de Richard Lester, o mesmo diretor de A Hard Day's Night. A Tia Mimi sempre levava John a festivais de verão que aconteciam no orfanato de Strawberry Field. O orfanato original, contruído nos anos 1950, acabou sendo demolido e, depois, reconstruído: o que sobrou do original foi o portão vermelho de aço, ponto bem famoso de Liverpool. 

Além dos festivais de verão continuarem acontecendo anualmente, em 1984 Yoko Ono e Sean Lennon visitaram o local e desde então contribuem para sua melhoria. Tecnicamente, a estrutura desta canção é escrita com uma chave de Si bemol maior. Ela começa com uma introdução de mellotron – escrita e desempenhada por McCartney – e depois continua no refrão. Depois de um curto silêncio dos instrumentos, a canção volta para "tenebrosos" sons distintos com notas dissonantes, espalhadas com a bateria, e depois Lennon diz: "cranberry sauce", ou seja, doce de oxicoco. Nessa mesma canção, John diz: "Eu enterrei Paul" e a canção foi incluída na lista de itens que reúnem fatos onde os Beatles queriam mostrar que Paul estava morto e que outro cantor o substituía. (Para mais informações, veja Boato da morte de Paul McCartney.) A recepção da canção foi satisfatória: atingiu o oitavo lugar na parada dos EUA, onde numerosos críticos a consideraram a melhor canção do grupo e, em 2004, foi posta em 74ª na Lista dos 500 Maiores Sons de Todos os Tempos, da Rolling Stone americana.

Em contraste com "Strawberry…", onde Lennon inspirou-se em recordações do passado, "Penny Lane", escrita por Paul – embora igualmente creditada à Lennon/McCartney –, que traz melodia e ritmo menos "tenebrosos" que a anterior, também faz menção à recordações de McCartney: o cruzamento de cinco ruas formando uma rótula de trânsito – roundabout, como dizem os ingleses – em Liverpool, chamado "Penny Lane Roundabout", é uma área, hoje muito famosa por causa da canção, onde John e George nasceram perto e, consecutivamente, onde os Beatles frequentavam muito. A primeira mulher de John, Cynthia Lennon, tinha um apartamento em Penny Lane e trabalhava na loja Woolworth, a uma quadra dali. Durante muito tempo, quase diariamente, a prefeitura local precisava trocar as placas da rua, pois, por virar ponto turístico, os fãs da banda a retiravam e levavam consigo ou, em outros casos, rabiscavam; agora as placas de Penny Lane foram abolidas e o nome passou a ser pintado diretamente nas paredes dos prédios da rua. Na letra da canção, é como se Paul fosse o guia-turístico de uma excursão para o local: ele refere-se, por exemplo, a um "barbeiro mostrando fotografias de cada cabeça que teve o prazer de conhecer" – há um edifício branco numa das esquinas da rua, chamado Tony Slavin, que era o local onde Mr. Bioletti, o barbeiro, trabalhava e onde a barbearia funcionava – e a outros pontos da cidade; Paul diz na canção: "Penny Lane está em meus ouvidos e em meus olhos". Ao contrário do vídeo promocional de "Strawberry…", o qual o grupo gravou em outro local que não o orfanato, o vídeo musical de "Penny Lane" foi filmado na própria Penny Lane. Entre os instrumentos usados no som, destacam-se a conga, o flautim e os pianos, ao todo quatro. A canção também obteve uma recepção satisfatória: alcançou o primeiro lugar na Billboard Hot 100 por uma semana e, em 2004, foi incluída pela Rolling Stone americana na Lista dos 500 Maiores Sons de Todos os Tempos, permanecendo em 449ª lugar.

Em 24 de agosto de 1967, os Beatles encontraram-se com o Maharishi Mahesh Yogi no Hotel Hilton de Londres. Poucos dias depois, foram para Bangor, norte do País de Gales, para assistirem uma conferência "inicial" de fim de semana. Lá, o Maharishi deu a cada um deles um mantra. Embora estivessem em Bangor, os Beatles ficaram sabendo que Brian Epstein, o empresário da banda, aquele cujo nome foi muito responsável pelo sucesso do grupo, estava morto, aos 32 anos, devido, segundo o laudo, "morte acidental por overdose de Carbitol", medicamento para insônia. Em finais de 1967, receberam sua grande primeira crítica da imprensa britânica, crítica essa que era um conjunto de opiniões depreciativas sobre o filme de televisão surrealista Magical Mistery Tour. A trilha sonora de Magical Mistery Tour foi lançada no Reino Unido em um EP duplo, e nos EUA em um LP completo (atualmente, a versão oficial é esse LP).

Os quatro músicos passaram os primeiros meses de 1968 em Rishikesh, Uttar Pradesh, na Índia, estudando meditação transcendental com o Maharishi Mahesh Yogi. O ashram de Mahesh Yogi inspirou a criatividade do quarteto e devido à suas estadias nele, produziram algumas canções com referências à espiritualidade que a Índia tanto afirmava; canções essas que podem ser encontradas no White Album e em Abbey Road com composições de Lennon, McCartney e Harrison. Regressando, John Lennon e Paul foram para Nova Iorque anunciar a formação da Apple Records, uma corporação multimédia fundada em janeiro de 1968 pela banda com o intuito de substituir a sua empresa anterior (Beatles Ltd.), e de modo a formar um conglomerado. Em meados de 1968 a banda manteve-se ocupada no processo de gravação do álbum duplo The Beatles, conhecido popularmente como "Álbum Branco" por conta da capa ter cobertura branca. Essas sessões foram o cenário de desentendimentos entre os integrantes, com Starr deixando temporariamente a banda. Sem Starr, Paul assumiu a bateria e instrumentos de percussão nas faixas "Martha My Dear", "Wild Honey Pie", "Dear Prudence" e "Back in the USSR". As dissensões tiveram diversos motivos, sempre muito debatidos: a excessiva presença da nova namorada de Lennon, Yoko Ono, nas gravações; a arrogância de McCartney, que passava a querer ser o líder do grupo; ficou ainda mais difícil o grupo aceitar novas canções de Harrison para serem incluídas em seus álbuns.

Com a morte de Epstein, o grupo necessitava de um novo empresário: em relação ao lado empresarial, Lennon, Harrison e Starr queriam o gerente nova-iorquino Allen Klein para gerir os Beatles, mas McCartney queria o empresário Lee Eastman, pelo fato de ele ser o pai da então namorada e futura esposa de Paul, Linda. Os outros três membros viam em Eastman um empresário que colocaria os interesses de Paul antes das do grupo (durante uma entrevista no Anthology, McCartney disse: "Olhando para trás, posso entender porque eles sentiam que Eastman tinha interesses tendenciosos a mim e contra eles.") Em 1971, descobriu-se que Klein, que havia sido nomeado gestor, roubou cinco milhões de libras esterlinas das explorações dos Beatles.

Retomando a época de criação do Sgt. Pepper's…, como é comumente tratado, "foi um momento decisivo na história da civilização ocidental", segundo a descrição de um crítico do The Times. Dois dias depois do lançamento do disco, em 3 de junho de 1967, Jimi Hendrix já tocava a faixa-título em seus concertos, o que deixou McCartney particularmente emocionado. Além de ter sido o primeiro álbum de rock a ganhar os Grammys de "melhor álbum do ano", "melhor álbum contemporâneo", a "melhor capa" e a "melhor engenharia de som", o Sgt. Pepper's…, quando colocado no mercado, bateu todos os recordes de venda: vendeu um quarto de milhão de exemplares na Grã-Bretanha (somente na primeira semana), permaneceu durante quase meio ano consecutivo no primeiro lugar do topo de vendas – feito praticamente impensável hoje em dia – e é tido como vanguarda, principalmente pela originalidade da capa que, inclusive, inspirou artistas do mundo inteiro. McCartney é tido como o responsável pela ideia da capa e pela maioria das músicas do álbum. Ele havia esboçado um desenho onde uma multidão assistia a banda Sgt. Pepper e recebia do prefeito uma copa ou troféu. Robert Frazer, comerciante de arte e conhecido do grupo, levou Paul à conhecer Peter Blake, um dos artistas pioneiros e fundadores da Pop Art; Blake desenhou toda a capa, adicionando pessoas influentes de todo o mundo – escolhidas por Lennon, Harrison, Starr e, claro, Paul – caracterizadas como bonecos de papelão, sem contar os bonecos de cera dos Beatles.

Em janeiro de 1969, os Beatles iniciaram um projeto cinematográfico que documentaria a realização de sua próxima gravação, originalmente intitulado Get Back. Durante as sessões de gravação, a banda realizou sua última apresentação ao vivo no último andar do edifício da Apple, em Londres, na tarde fria de 30 de janeiro de 1969. A maior parte da apresentação foi filmada e, posteriormente, incluída no filme Let It Be. A ideia de tocar no telhado do prédio foi de Lennon. O concerto parou a rua inteira do prédio e, rapidamente, o lugar ficou lotado de pessoas; inclusive, os vizinhos da região logo espreitavam das sacadas o concerto. Os Beatles tocaram durante quarenta minutos até a polícia local interferir pedindo que abaixassem o volume dos instrumentos; Mal Evans explicou que não era qualquer pessoa que estava tocando, e sim os Beatles. A apresentação terminou antes do previsto, e tornou-se famosa. Com o projeto Let It Be temporariamente suspenso, os Beatles gravaram seu penúltimo álbum, Abbey Road, no verão de 1969. A conclusão da canção "I Want You (She's So Heavy)" para o álbum em 20 de agosto de 1969 foi a última vez que o quarteto reuniu-se em mesmo estúdio. Lennon anunciou sua saída para o resto do grupo em 20 de setembro, 1969, embora tenha concordado em não anunciar isso publicamente até que determinadas questões jurídicas fossem resolvidas.

Em Março de 1970, a sessão de teipes do "Get Back" foram entregues ao produtor americano Phil Spector, que tinha produzido o compacto solo de Lennon – "Instant Karma!". McCartney anunciou publicamente a dissolução em 10 de abril de 1970, uma semana antes do lançamento de seu primeiro álbum solo, McCartney. As cópias de pré-lançamento incluíram um comunicado à imprensa onde McCartney realizava uma entrevista consigo mesmo, explicando o fim dos Beatles e suas esperanças para o futuro. Em 8 de maio de 1970, a versão de "Get Back" produzida por Spector foi lançada como Let It Be, seguido com o documentário de mesmo nome. Legalmente, a parceria dos Beatles não foi dissolvida até 1975, embora Paul tenha apresentado uma ação para a dissolução em 31 de dezembro de 1970, efetivamente terminando a carreira em conjunto da banda.

O motivo do fim da banda ainda é muito discutido e pode ser descrito como uma série de eventos que, resumidamente, os itens abaixo pretendem desenvolver.

Brian Epstein
Morte de Epstein: Brian Epstein foi indiscutivelmente o homem mais influente no lançamento e na promoção da popularidade do grupo no mundo inteiro. Por ser o empresário da banda, ele pôde manter o grupo reunido e mediar determinados conflitos que o quarteto viesse a desenvolver entre si, mantendo-se na postura de ser a última palavra, a última decisão. Quando morreu em 1967, deixou um vazio na banda. McCartney provavelmente sentiu a situação precária e procurou iniciar projetos que estimulassem a banda. Em última instância, a discórdia sobre liderança gerencial seria um dos fatores precipitantes para a banda se dissolver.

George Harrison como compositor: Nos primeiros anos, Paul e John eram os únicos compositores da banda, enquanto que Ringo e George desempenhavam suas funções como baterista e guitarrista, respectivamente. No entanto, de 1965 adiante, as composições de Harrison ganharam maturidade e tornaram-se mais atraentes em suas qualidades. Gradualmente os outros membros reconheciam seu talento como compositor, mas cada vez mais George começou a se frustrar pelo fato da maioria de suas ideias e canções terem como fim a rejeição. Isso gerou confusão e, consecutivamente, desavenças, principalmente entre Lennon e McCartney.

Dificuldade em colaboração: De uma forma ou de outra, após o grupo parar de excursionar, cada um dos integrantes começaram a seguir comportamentos autônomos: enquanto McCartney via interesse no estilo pop e nas tendências da Grã-Bretanha e dos EUA, Lennon tendia à música introspectiva e experimental, enquanto que Harrison, por sua vez, estava cada vez mais entusiasmado com a música indiana. Por conseguinte, Paul começou a assumir o papel de líder dos projetos artísticos dos Beatles. Além de cada membro ter começado a desenvolver uma agenda cujos eventos exigiam cada vez mais individualidade – o que acabou comprometendo o grau de entusiasmo em conjunto – outro fator que contribuiu para a fragilidade da banda foi a evidente falta de acordo já existente na época de produção do "Álbum Branco".

Yoko Ono: Lennon estava em um frágil estado de espírito após o regresso da banda a partir de suas estadias na Índia, no início de 1968. Ficou ressentido e desiludido com o fato do Maharishi não ter preenchido suas expectativas. Lennon começou a desenvolver um imenso interesse numa artista nipo-americana, Yoko Ono, que reuniu o músico britânico em uma de suas exposições em 1966. Tiveram uma relação platônica até a primavera de 1968. Enquanto a esposa de Lennon, Cynthia, estava de de férias, ele e Yoko lançaram uma fita que mais tarde seria lançada como a famosa (e polêmica) "Unfinished Music No.1: Two Virgins". Até esse momento, os dois não estavam completamente entretidos entre si, pois o acordo da banda era que suas namoradas ou esposas não interferissem nos estúdios. Contudo, como a produção artística de Lennon cresceu sob influência de Yoko Ono, cada vez mais ele quis que ela entrasse nos processos de produção dos Beatles e, consecutivamente, ela passou a frequentar os estúdios de gravação. Frequentemente, Ono não comentava nem dava sugestões no estúdio de gravação, o que parece ter aumentado as confusões entre ela e os três companheiros de Lennon. Ono é acusada por muitos fãs de ter "dividido os Beatles", enquanto que outros argumentam que a sua presença não era nenhum problema, e que os Beatles realmente se separaram pelas outras razões aqui citadas (acima e abaixo).

Situação empresarial: Outra coisa que agravou a situação da banda foi o fato de que, sem Epstein, eles procuraram empresários para geri-la, mas a tentativa desses empresários de estabelecer um controle sobre a banda The Beatles falhou. Mesmo antes disso, houve confusão entre os integrantes, pois não conseguiram entrar em acordo na escolha de um novo empresário.

A formação da Plastic Ono Band, grupo formado por Yoko e Lennon, foi uma saída que Lennon encontrou para largar de vez os Beatles. E, verdadeiramente, a ideia de sair da banda cristalizou-se quando, em setembro de 1969, Yoko e Lennon foram recepcionados entusiasticamente como artistas no Concerto de Rock and Roll de Toronto. Lennon informou a sua decisão para Allan Klein – até então empresário do grupo – e para McCartney em 20 de setembro de 1969. Ironicamente, no outono do mesmo ano, a banda assinou um contrato negociando com a maior taxa de royalities. Esta foi a última demonstração de unidade do grupo, embora de natureza transitória. Outra divulgação revelou que o contrato de dissolução dos membros da banda foi até 1976 coletivamente e separadamente. Assim, este contrato renegociado precipitou o final das ações legais que revogou a parceria em 1972.


Apesar de seus esforços em estimular a banda, McCartney admitiu numa entrevista na revista americana Life que a banda estava desestruturada, em novembro de 1969. Paul viu um conflito entre seu álbum solo, "McCartney", e o projeto do álbum e do filme dos Beatles, Let It Be. "McCartney" foi lançado e a amargura de Paul por conta de alguns incidentes – como, por exemplo, o fato dele ter ficado insatisfeito com determinadas atitudes dos gerentes da banda – foi um fator contribuinte para sua declaração pública de que havia saído dos Beatles. No começo de 1971, McCartney abriu uma ação judicial para a dissolução da relação contratual dos Beatles e, posteriormente, foi decretado.

Continua na próxima semana...
Clique aqui e veja a Parte I

Deixe aqui seu comentário!